“Pensei que era moleza, mas foi pura ilusão...
entrei pelo cano”
(Frase
da canção “ Melô dos Marinheiros” - Paralamas do Sucesso).
Caríssimo leitor, o texto que ora se
inicia, descreve uma experiência breve, realizada em Milão-Itália. Trata-se de
jovens que vem de diversos países do mundo
para trabalhar na prostituição aqui na Itália e não se dão conta, que estão
sendo usados por uma máfia, da qual se
tornarão escravos – objetos de lucro –
muitos para se livrar dessa quadrilha, tornam-se prostitutas de estradas e ruas!
Por questão de segurança e ética, não citarei nomes nem endereço, mas
apenas, países e cidades! Lembrando que o texto é escrito, sobretudo para cristãos católicos.
Antes de narrrar a experiência, permita-me uma brevíssima apresentação de
quem sou e o que faço neste momento.
Sou antes de tudo, um cristão
batizado praticante, “ Que coisa tu és? sou um cristão” ( Sao Jerônimo,
Tradutor da Bíblia). Estou fazendo o noviciado,
que por sua vez findará no dia 25 de Janeiro de 2014. Este tempo de noviciado, me permitiu
experimentar aquilo que é próprio da espiritualidade somasca: estar com crianças,
jovens, doentes, idosos, ricos e pobres, negros e brancos, prostitutas, enfim. O
nosso carisma é: A PATERNIDADE E MATERNIDADE DE DEUS!
Para
Maior clareza permita-me ainda,
apresentar de maneira sucinta, a equipe que me acompanhou nesta
experiência. Não direi seus respectivos
nomes para preservar o seu trabalho.
Fui acompanhado e orientado por dois jovens, um rapaz
e uma moça. Eles atuam como parte de uma
equipe médica, que oferece um sistema de saúde às jovens que trabalham na prostituição,
em Milão e, não tem acesso ao serviço de
saúde ( ao menos facilmente). Eventualmente, a equipe marca exames, orienta,
encaminha ao serviço de saúde etc. Com
esta oferta de serviço, a equipe pode entrar nos apartamentos onde as jovens
vivem e trabalham. De outra forma é quase impossível entrar, ou melhor, ter
acesso a essas jovens. Depois de fazer contatos e convencê-las a aceitar o
serviço de saúde, começa-se um serviço de escuta e visitas regularmente, sempre
com uma “desculpa”. Dessa vez a “desculpa” era que estávamos levando um
presente de Natal. Depois que se cria um relacionamento de confiança entre
as jovens e a equipe, é que se
revela a verdadeira identidade e o verdadeiro objetivo, que é ajudar a essas
jovens, a saírem dessa escravidão. A equipe que me acompanhou faz este serviço
a muitos anos. Ela tem um sistema de informação, controle e sigilo muito
eficaz; tem o diagnóstico dessas jovens
muito preciso, de onde provém a verdadeira identidade, o valor de seu trabalho, enfim, conhecem a
realidade de cada uma!
Segundo a equipe, a pior coisa, é que em sua maioria, as jovens, que trabalham neste ramo,
ganham muito dinheiro, porém, não para si, mas para a quadrilha.
Elas chagam a ganhar ate 2.000,00 euros por mês, porém, devem pagar o aluguel
do apartamento, a publicidade, e tantos aparatos, que ao final, ficam
praticamente sem dinheiro e o pior, com dívidas, que não param de crescer. Também tem aquelas, que o valor de uma
relação sexual é 20,00 euros, e tem mês
que não recebem um euro se quer. Neste momento, pensei no que disse o papa Francisco
em sua exortação apostólica: “Evangelii Gaudium”, n.53: “ Se
considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que se pode usar
depois jogar fora”. Não pense, que o custo de vida aqui na Itália é como no
Brasil! Lembre-se, elas trabalham pra uma empresa que controla tudo, inclusive
o que deve ou não falar, quando elas não suportam mais, fogem para prostituir-se às margens das estradas (auto-estrada)e vias de Roma a Milão.
Neste dia, a equipe escolheu para visitar as
brasileiras, aquelas que vêm do Brasil para trabalhar na prostituição em Milão (Itália),
muitas são de fortaleza e Recife. Elas
são antes de tudo, jovens belas e com um grau de estudo elevado.
Antes de partirmos para as ruas de Milão, a equipe me
mostrou em um site de (publicidade) prostituição aquelas, que possivelmente, encontraríamos
pelas ruas. Precisamente, a equipe fez contatos com 11 das quais quatro são
brasileiras, destas quatro, apenas uma pôde nos receber. As outros não, seja
porque, sua chefe não permitiu, seja porque, tinha medo de falar conosco, seja
porque, tinham cliente naquela hora. Finalmente, neste dia visitamos uma
brasileira e três da República Dominicana. Aquelas que não puderam nos
receber, agendamos a visita para outro
dia.
Que coisa encontrei? Um susto! um grande
abismo! Quando nos encontramos com as Dominicanas, não
podíamos imaginar que aquelas duas jovens, eram as mesmas, que uma hora antes
eu havia visto na tela do computador (em uma propaganda sexual). Era totalmente
o contrário. Não se encontrava nada de
comum, entre o real e o virtual. Aquelas da publicidade eram lindas, sorridentes,
enquanto estas que estão diante de mim
são tristes e sem aparência; aquelas da publicidade são jovens otimistas,
estas são velhas e deprimidas; aquelas contentíssimas e com a autoestima
elevada, estas descontentíssimas e depressivas; aquelas bem produzidas, estas destruídas;
aquelas da publicidade, vitoriosas, estas derrotadas... É inconcebível pensar
que se faz propaganda de uma pessoa, como se faz de um objeto, pior ainda,
propaganda enganosa. Você pode imaginar, como se sente uma pessoa, que é
tratada como um objeto de compra e venda? Onde está o princípio inegociável da dignidade
humana? No ano 2000 a Campanha da
Fraternidade tratou sobre a dignidade humana e paz: “Nenhuma desculpa serve para
justificar o desrespeito à dignidade de uma mulher ou de um homem, porque se
trata de vida humana”. E mais, segundo a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, as pessoas já nascem livres e iguais, com dignidade e direitos,
simplesmente por serem humanas. Todavia, nós sabemos que existem centenas, milhares
e milhões de pessoas com a dignidade ferida nos porões da vida!
Quando nos encontramos com aquelas duas jovens Dominicanas,
era difícil para mim, ver as duas
imagens, que ora se cruzavam na minha cabeça, aquela virtual ( site de prostituição)
e esta real, que se encontravam diante de meus olhos. Era notório nos rostos daquelas jovens, uma tristeza profunda. Era como um corpo sem vida,
uma flor sem perfume, como uma casa sem gente, com um riacho sem água. “Tirar
o sorriso da juventude é tirar a vida e matar um sonho”. Na mesma linha canto
JorgioTrevisol na sua poesia religiosa “Mesmo Rosto”: “ O sonho mais lindo é a juventude que tem”.
Começamos a conversar. A jovem mais nova, contava seu lamento de não
ter dinheiro para voltar ao seu país e recomeçar a sua vida na liberdade e
dignidade. Era verdadeiramente descontente com seu trabalho, disse que em
relação a prostituição, estava cansada e sem condições de prostituir-se. A mais
velha não falou nada, porém sua expressão corporal manifestava sua angústia, a náusea e a tristeza. Seus olhos transmitiam a dor da
sua alma e suas lágrimas a sede de liberdade. Suas poucas palavras foram: “Devo
trabalhar natal e ano novo, pois não tenho para onde ir e se tivesse não
poderia ir, pois devo trabalhar. Enquanto minha chefe vai a Espanha passear”.
A conversação estava fluindo entre nós, mas não
demorou, para ser interrompida, brutamente com a chegada da sua chefe. Uma dona
ainda jovem, com um aspecto imperativo e autoritário. Bastou um simples olhar para
controlar , ou melhor, bloqueou a nossa conversação. Mudamos
imediatamente o rumo da conversa. Eu, particularmente me senti, fora do jogo e
com receio, porém, como bons profissionais a equipe desenvolveu, um outro diálogo
e concluiu aquele momento, presenteando a todas com uma recordação de natal.
Comovidos, indignados e sensibilizados, passamos ao
apartamento da Brasileira. Esta, de 40 anos, com problemas de saúde, pois a
mesma está sendo acompanhada por uma equipe médica: psicólogo e psiquiatra. Seu
apartamento, aparentemente bom, expressava, a angústia, a tristeza e sobretudo,
a solidão daquela mulher. Era como uma
cova fria, escura e sem vida! Senti-me muito mal naquele ambiente, pois era um
ambiente de morte! Ela, a brasileira, não parava um só instante de falar,
grande era a necessidade de ser ouvida. Começou o seu lamento. Lembrei do livro
das lamentações de Jeremias que diz: “ Esqueci a felicidade (Lm 3,17)! Meu
olho derrama torrentes de lagrimas” (Lm 3, 48). “ Cessou a alegria do
meu coração, converteu-se em luto a nossa dança” ( Lm 5, 15). Ali não falei
praticamente nada, mas agucei meus ouvidos para escutar e despertei o meu
coração para sentir o lamento e compartilhar, ao menos por um momento, a
tristeza e a solidão daquela mulher. Como disse o apóstolo Paulo: “Alegrai-vos com
os que se alegram; e chorai com os que choram (Rm 12,15).
Esta aparentemente era livre, porque não tinha uma
chefe, porém, era escrava do abandono da solidão e sobretudo, do medo. Ela
revelou em pouco tempo um sofrimento sem medida, uma solidão sem fim, uma escravidão
sem preço, uma vida sem esperança! Aqui, lembrei do que disse o padre Fabio de
Melo em seu livro, Quem me Roubou de Mim: “ Tenho a chave para sair do cárcere, mas não tenho
forças para sair. Me apontam o caminho, mas muitas vezes eu não sei andar,
estiram-me a manto, mas eu encolho o braço e continuo sendo escravo de mim
mesmo. O cativeiro, por pior que seja acaba por ser um lugar seguro...”.
Partimos de lá comovidos, eu particularmente,
emocionado e muito pensativo, pois recordei do que disse Jesus: ““Em verdade vos digo, que
os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus” ( Mt 21, 31). Nas palavras que ouvi da Brasileira,
que dizia: “ Meu maior sofrimento, minha maior tristeza é que meu filho de
16 anos já se esqueceu de mim”. Neste momento senti nos seus olhos, a
vergonha, a dor e o sentimento de culpa da vida que está vivendo. Aqui, não me importa se ela é ou culpada de
todo esse sofrimento, me importa é que ela, é um ser humano, que sofre o
abandono, a vergonha e o desprezo. Ela foi criada para felicidade: “Todos nós, sem dúvida, queremos viver felizes, e não há entre os
homens quem não dê o seu assentimento a esta afirmação, mesmo antes de ela ser
plenamente enunciada” ( Catecismo da Igreja Católica n. 1718). Então se
cruzavam um olhar de compaixão e misericórdia, com um desejo de ajudar aquela
mulher a sair de seu cativeiro. Evidentemente, que o trabalho, o esforço da
equipe continuará, motivada pela esperança que aquela mulher tem de sair de seu
cativeiro e viver feliz. Naquele apartamento concluímos a nossa visita! Porém
no meu coração começou uma nova missão!
Como
me senti? Que coisa posso fazer, para
ajudar a essa gente?
Tem uma frase que levo comigo: “Não salvarei o
mundo, não o mudarei, mas não contribuirei, conscientemente com a sua ruína”!
Como me senti, após esta experiência? já
mencionei acima, mas reforçarei nos parágrafos seguintes. Antes de tudo, devo
considerar que sou um cristão “ Que coisa tu és? sou um cristão” e vivo a minha fé. “ Estejam atentos
prontos para dar razão da vossa fé a quem vos pedir” ( 1Pd 3, 14-15, ). Não
vivo fora da realidade, mas com os olhos para Deus e os pés sobre a terra: “ fazei
tudo como se dependesse de vós sabendo que tudo depende de Deus” ( Santo
Inácio de Loyola).
Diante de qualquer situação busco agir
equilibradamente com a fé e a razão. Ambas me ajudam a fazer uma leitura realista
dos fatos, já que as duas vêm de Deus: “ A luz da razão e a luz da fé provêm ambas
de Deus, por isso, não se podem contradizer entre si ( Santo Tomás de Aquino – encíclica de Joao Paulo II: Fidei et
Ratio n 43).
Diante da realidade, que ora me encontro, o que eu
posso fazer para ajudar a combater, a máfia da prostituição, o comércio sexual,
a exploração e escravidão das jovens?
Especificamente neste caso acima descrito, antes de tudo devo informar, tornar conhecida essa realidade àqueles
que a desconhecem. Informar ao máximo de
jovens que puder. Deixar claro, especialmente para aquelas meninas, que são
convidadas para trabalhar, na Itália, que estejam muito atentas, pois elas
podem estar “entrando numa fria”: “ Entrei pelo cano”. Evidentemente,
que as jovens provenientes de diversos países que chegam a Itália para
trabalhar na prostituição, muitas, vêm enganadas e embocam na escravidão,
tornando-se objeto de compra e venda, fonte de renda para uma quadrilha, não é fácil
ser um cristão autêntico.
Diante de tudo isso, a primeira coisa que sinto é compaixão,
misericórdia e sem fazer nenhum juízo me ponho na condição de um ser humano,
que em busca da felicidade toma qualquer caminho, aparentemente correto, mas
que, ao invés de encontrar a felicidade, encontram a escravidão, a solidão, a
morte! Como um seguidor de Cristo, não posso fazer outra coisa, senão o que fez
meu mestre: “Ninguém te condenou? Respondeu ela: não Senhor! Vai
eu também não te condeno!”(Jo 8, 10-11). Em suma, eu me senti sensível e
mais que sensível, provocado a fazer alguma coisa, para evitar que, aquelas que
ainda não viveram esta realidade, “não entrem nesta fria!” Como se sabe, é mais
fácil prevenir o mal que curá-lo.
Chamo a sua atenção e de todos os meus amigos,
especialmente os cristãos para ajudar os jovens a encontrar a verdadeira
felicidade. Aos rapazes, especialmente, aqueles que são cristãos, que
participam da Missa, que comungam o CORPO E SANGUE DE CRISTO, de não usufruírem de uma mulher, só porque é uma prostituta.
Antes, veja que ela é uma pessoa, que tem uma história, que tem uma família,
que tem sentimentos. Seja, para essa gente, “uma mão que eleva”. Não trate uma prostituta como uma pessoa de
segunda categoria, pior ainda, inferior a você ou mais, como um objeto de mero
prazer sexual. Não indague, se ela escolheu, ou não esta vida, não veja seus
pecados “ se eles não te condenaram eu também não te condeno”, antes de
tudo, veja nessas pessoas, um ser
humano, que muitas vezes estão gritando por socorro. São como o
assaltado e abandonado na beira do caminho (cf. Lc 10,25-37). Todavia, para
amar a Deus e herdar a vida eterna só temos uma alternativa: tornar-nos próximos
de todas as vítimas de todas as formas de assaltos à vida e à dignidade humana.
Você gostaria de ser explorado, vendido, contrabandeado,
comercializado por uma máfia, uma quadrilha? claro que não! Portanto, ajudemos
nossos jovens a encontrarem o verdadeiro
caminho da felicidade, para viverem
dignamente. O Papa Francisco, em sua Encíclica EVANGELII GUADIM n.75, Descreve:
“ A proclamação do Evangelho será uma base para restabelecer a dignidade da
vida humana...”! Devemos, enquanto cristãos, eu por primeiro, ajudar aos nossos
jovens a construir bons relacionamentos, derrubar muros de separação, construir
pontes, preparar-se para o futuro... Ajudamo-os a realizar seus sonhos, conquistar
seus ideais. Façamos de tudo para pensarem e terem a certeza de que nós
acreditamos neles: “Juventude solo sagrado”. Façamos de tudo para que nossos
jovens não entrem no reino diabólico, mas levemo-los para o Reino de Deus!
Ajudamo-los a descobrir a verdadeira felicidade, que só se encontra em CRISTO.
“Há
uma alegria que não é concedida aos ímpios, mas àqueles que te servem por puro
amor: Essa alegria és tu mesmo. E esta é a felicidade, e não outra. Quem
acredita que exista outra felicidade, persegue uma alegria que não é
verdadeira. Contudo, a sua vontade não se afasta de certa imagem da alegria”.
(Santo Agostinho, Confissões, Livro X, 32).
Ajudemos aos nossos jovens a encontrar a verdadeira
alegria“Alegrai-vos
sempre no Senhor! Repito: alegrai-vos!” (Fp 4,4) e a viver na verdadeira
liberdade: “Conhecereis
a verdade e a verdade vos tornará
livres” (Jo 8, 32).
ALUISIO DA SILVA
Nenhum comentário:
Postar um comentário