· "Ninguém pode nos exigir que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional,...."
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Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
Arcebispo de São Paulo
Em Aparecida, SP.,
acaba de ser realizada a 52ª assembleia geral anual da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), com a participação de cerca de 350 bispos, vindos de
dioceses de todo o Brasil.
Uma extensa pauta de
temas foi enfrentada, sobretudo de questões da própria Igreja Católica, além de
agradecerem a Deus pela recente canonização de São José de Anchieta. Mas os
bispos também refletiram sobre a situação social, política e econômica do
Brasil, em vista das relações da Igreja com a sociedade e dos católicos com o
ambiente em que vivem e atuam.
Em especial, a CNBB
preparou e vai publicar uma reflexão sobre os desafios que os cristãos precisam
encarar na sua condição de cidadãos e pessoas de fé. Quem crê, também é
convidado a agir na vida social em conformidade com as convicções de sua
consciência, iluminada pela fé.
O ano eleitoral oferece
uma ocasião privilegiada para participar, de forma democrática, da definição
dos rumos do Brasil. A mobilização popular já levou à aprovação da “lei da
ficha limpa”, que afasta de candidaturas a cargos eletivos quem deu provas de
falta de confiabilidade para assumir cargos de responsabilidade pública. Isso
representa um avanço, mas não é suficiente.
Desde junho de 2013,
o Brasil assiste a uma série de manifestações de rua, que clamam por uma
política de melhor qualidade; o “discurso das ruas” pede a atenção prioritária
de governantes e legisladores para as verdadeiras necessidades da população;
aponta para a superação de certo modo de fazer política, feita de conchavos em
função de interesses de parte, ou orientadas à perpetuação no poder – um poder
que abandona o bem dos cidadãos e se torna fim em si mesmo.
Os cristãos não podem
eximir-se de participar consciente e responsavelmente da promoção do bem do
País. O povo gosta de esportes, mas está sinalizando que deseja mais que isso:
quer ser tratado com respeito e viver com dignidade. Apesar dos esforços já
feitos, ainda há muita precariedade em serviços públicos essenciais e
desperdício, quando não o sumiço nos mecanismos da corrupção, de recursos que
deveriam ser destinados a dar melhores condições de vida ao povo.
As condições de
sofrimento, exclusão social, violência e injustiça em que vivem ainda muitos
brasileiros, não condizem com a dignidade humana nem dão glória ao nome de
Deus. Os cristãos, eleitores e candidatos, precisam sentir-se profundamente interpelados
a desempenhar uma cidadania ativa para a definição dos rumos que o Brasil
deverá trilhar, orientados, certamente, pelos princípios da justiça, da
dignidade humana e da solidariedade social.
Algumas pessoas
sentem reações alérgicas ao ouvirem falar em política; bem ou mal, aprenderam a
identificar a política como “coisa ruim”, na qual as pessoas decentes não se
metem... É grave que se tenha chegado a um descrédito popular tamanho em
relação à política! E quando a palavra sobre questões políticas vem de
representantes da hierarquia da Igreja, inflamam-se ânimos, sempre prontos a
reivindicar que o Estado é laico e que religião e política devem permanecer
separadas.
A estes últimos, vale
lembrar que uma boa interpretação da laicidade do Estado resolve essa polêmica;
a Igreja Católica não quer tomar o poder do Estado e também entende que o
Estado seja laico, não imponha a religião a ninguém e assegure a todos a
liberdade de não crer, ou de crer e de expressar publicamente as próprias
convicções.
Mas não se pode
pretender que os cristãos, como quaisquer outras pessoas de fé, sejam alheios à
política e às causas do bem comum. Como cidadãos, e na diversidade de
convicções que movem a cidadania, também eles têm o direito de falar e de agir
conforme suas convicções, respeitada ordem pública válida para todos. O “Estado
laico” não pode ser invocado como pretexto para a discriminação religiosa, nem
para a imposição, sobre a sociedade, de um pensamento oficial e único.
O papa Francisco, na
sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho, 2013), fala
de maneira incisiva da dimensão social da ação da Igreja (capítulo 4º). E isso
não significa apenas promover obras de assistência social em favor dos
desvalidos, sem dúvida necessárias: trata-se de ir às implicações comunitárias
e sociais da fé cristã: “no próprio coração do Evangelho aparece a vida
comunitária e o compromisso com os outros” (nº 177).
O Evangelho de
Cristo, base para a fé dos cristãos, propõe uma relação pessoal com Deus, mas também
pede relações novas e coerentes com o próximo. A resposta de fé e amor a Deus,
da parte do homem, “não deveria ser entendida como a mera soma de pequenos
gestos pessoais em favor de alguns indivíduos necessitados, uma espécie de
‘caridade por receita’, nem também como uma série de ações destinadas apenas a
apaziguar a consciência. A proposta cristã é o Reino de Deus (cf Lc 4,43);
trata-se de amar a Deus, que reina no mundo. Na medida em que ele reinar entre
nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz e
dignidade para todos. Por isso, tanto o anúncio como a experiência cristã
tendem a provocar consequências sociais” (nº 180).
Após afirmar que não se pode limitar a religião ao âmbito privado,
“apenas para preparar as almas para o céu”, o Papa conclui: “ninguém pode nos
exigir que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem
qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde
das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre acontecimentos
que interessam aos cidadãos” (n 182). Os cristãos têm muito a contribuir para o
convívio social e não devem omitir-se, nem ser impedidos de participar
generosamente dessa tarefa.
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