sábado, 8 de junho de 2013

MAIS UM TESTEMUNHO EMOCIONANTE DE UM NOVIÇO

Este testemunho é do noviço Aluísio, brasileiro, Alagoano da região de Santana do Mundaú, da nossa Congregação Religiosa dos Somascos, servos dos pobres. Ele está fazendo uma etapa de formação de um ano na Itália, na cidade de Somasca, onde a Congregação de São Jerônimo Emiliani começou. Acompanhe seu testemunho:


“Não subirei ao altar de Deus sozinho, outros subirão comigo”.

            Estimada amiga e companheira de caminhada, Quiteria, permita-me, mais uma vez, compartilhar  contigo a minha alegria e meus sentimentos.

            Antes de tudo, permita-me manifestar a saudade, que sinto de todos meus amigos brasileiros, especialmente de você!  Como você, bem sabe, entre você e eu existe um espaço muito grande, ou seja, existe o Oceano Atlântico que nos separa fisicamente, porém, existe entre nós, a amizade, o amor ablativo, que supera qualquer distancia, em outras palavras, posso dizer: “O amor supera não somente  a distância, mas os limites humanos, culturais, sociais, enfim, o amor supera tudo, inclusive a morte”

            Dona Quiteria, me perdoe se  estou sendo  exageradamente emotivo, mas é, que neste momento eu estou movido por dois fortes sentimentos. A saudade; por estar verdadeiramente distante e a alegria de saber que se aproxima a minha consagração religiosa. Portanto, são sentimentos verdadeiramente  fortes e belos!

            Dona, Quiteria, não quero me apresentar como um orgulhoso, ou muito menos, como arrogante  ou metido,  mas desejo apenas manifestar a minha alegria e a minha vitória. Como ninguém, a senhora conhece a minha história, vem acompanhando meus passos e, eu sempre busco refúgio na senhora, posso afirmar que, a senhora me ajuda a caminhar com os pés nos chão. Por estas e outras razões, me sinto livre para condividir as minhas alegrias e vitórias, que não são méritos meus, mas da Santíssima Trindade! 

            Estou na Itália, um país da Europa, reconhecido no mundo inteiro, seja  pela arte, pela cultura, pela história..., isso significa para mim, filho de Santana do Mundaú, uma experiência única.  Jamais pude imaginar de morar na Itália e conhecer, sentir e experimentar a beleza artística, cultural, intelectual e geográfica que  ela contém. Conhecer a sede da Igreja católica, o Vaticano, exatamente, no momento em que a Igreja está, experimentando um novo sopro do Espírito Santo. “Um aggiornamento”!

            D. Quiteria, Vi e escutei o Papa,  participei de missa celebrada por ele: “Que posso eu dizer, senão, obrigado meu Senhor”!

            Do ponto de vista eclesial, é uma riqueza muito grande para mim, sobretudo, porque, este Papa está sendo um novo São Francisco para a Igreja. Dou testemunho de uma cena,  que vi e me emocionei, realizada com o Papa Francisco:  Foi no domingo da misericórdia na Catedral de São João de Latrão, Roma. A catedral estava superlotada, entre os fiéis estavam os deficientes físicos e doentes intermináveis. Todos esperavam o Papa, quando ele entrou na catedral, se dirigiu  imediatamente aos doentes e cadeirantes e os saudou um por um, com um abraço e um beijo santo. Entres tantos que choravam de emoção, um me chamou, por demais a atenção. Era um deficiente físico ( tetraplégico), este se lançou no pescoço do Papa  e o beijava e abraçava, chorava e batia palmas, parecia que ia andar. Aquilo me fez pensar tanto, tanto, pois vi naquele momento, um encontro de um paralítico com Jesus. Não posso dizer outra coisa senão: Deus me  chamou para amar, amar verdadeiramente aqueles que são considerados inúteis, abandonados (Lucas 4, 16).

            Minha querida amiga, eu trabalho com jovens, que vêm de diversos países do mundo, inclusive do Brasil, clandestinamente. São  jovens que chegam aqui, em busca de trabalho, jovens que vem para tentar ganhar a vida e acabam nas ruas e a polícia manda-os para nossas obras. São eles meninos, rapazes e moças. Há algumas moças do Brasil, que vem para trabalhar na prostituição, como também homossexuais, que são tantos.  A Congregação da qual faço parte, se empenha de devolver a estes jovens a dignidade e o sonho, que foi brutalmente assassinado, por uma sociedade capitalista e desumana.  Eu, particularmente, trabalho com moças e rapazes, eles vivem em uma casa que se chama casa família, onde podem estudar, se alimentar bem, dormir bem e receber uma boa educação humana e sobretudo amor. Eu os amo profundamente, eles são os filhos que eu não gerei, mas que Deus me deu para amar. Nada de grandioso e espetacular faço com eles, apenas os amo, finalmente, o que disse Jesus: “ Aquele que diz que ama a Deus e não ama seu irmão é mentiroso...”

(1 João 4,2s).

            Posso contar aqui a história de cada um deles e delas, mas não é necessário, apenas digo por conhecimento a priori, que eles são jovens que buscam um ideal, que sonham com um futuro, onde possam viver com dignidade. Em meio a esta realidade, em primeiro lugar e, sobretudo, rendo graças ao Senhor e, oro sem cessar, por cada um deles, em segundo lugar, amo-os e encorajo-os a cada um deles, chamando pelo nome e por fim, permaneço no meio deles fazendo-me um com eles!

                Uma outra experiência muito profunda, que estou fazendo é com um grupo de 19 aidéticos. Dana Quiteria, esta é realmente, uma experiência que jamais fiz e, que jamais esquecerei. Posso dizer com total confiança, que esta experiência, com esse grupo de homens e mulheres com HIV, me faz mais humano!

            Todos nós sabemos que a nossa sociedade hodierna, exclui aqueles, que segundo, a lei de mercado, são improdutivos, consequentemente, inúteis. Por que, segundo, o mercado, dão prejuízo à sociedade. Aqui na Itália, não é diferente. E por incrível, que pareça, os portadores de HIV, aqui, são, tratados iguais os leprosos da sociedade judaica, no tempo de Jesus. Eles vivem, totalmente excluídos da sociedade. São jogados em uma casa, para esperar a morte, que vem a passo lento! E o pior de tudo é, que enquanto espera a morte, sua companhia é a solidão - esta é a sua única companheira- e o mais triste de tudo, é que muitos sacerdotes, cristãos, agem com o mesmo pensamento da sociedade, fecham os olhos para não verem esta gente desprezada e massacrada, seja pela doença, seja pelo abandono, que é pior!

            Entre as pessoas desse grupo muitas já estão em cadeiras de rodas, outras não falam, perderam totalmente a voz, outras, são depressivas (a maioria) e, nenhuma ha mais esperança, apenas todos tem uma certeza: “morreremos no abandono”! Me recorda de uma que me disse: “Eu anseio pela morte”, e u lhe perguntei, porque: me respondeu com lagrimas nos olhos: “ para me libertar”! Nosso discurso foi interrompido pelo choro.

            Posso escrever aqui tantas coisas, mas prefiro guardar em meu coração. Mas uma eu não posso deixar de lhe contar, por que neste momento, eu estou com lagrimas nos olhos. É a história da Lorena. Lorena, é uma bela mulher, de  45 anos, foi tragicamente, surpreendida com esta doença, por meio de seu esposo; depois da morte de seu esposo, Lorena foi abandonada por filhos, parentes e amigos, o único lugar que lhe restou, foi aquela, casa, onde outros, com a mesma doença HIV vivem. Lorena não teve outra saída senão, morar com outras pessoas, que padecem a mesma dor. No meu primeiro encontro com Lorena, ela falava e caminhava, se alimentava sozinha, hoje, cinco meses depois, ela, praticamente não caminha, não se alimenta sozinha e dificilmente fala e, praticamente não enxerga. Tudo isso é apenas, o que eu consigo ver, ou seja, é aquilo que  é possível de ver, mas quando estou com Lorena, posso ir mais afundo na sua história e no seu sofrimento, através de seu olhar, que penetra no meu coração como uma espada afiada. Seu olhar é um olhar de dor, de tristeza, de angústia e solidão, o que me faz sentir o seu sofrimento interior. Lorena me faz recordar a lamentação do profeta Jeremias: “Esqueci a felicidade, desfaleceu o meu vigor e a minha esperança em Deus” (Lamentações 3,17). Verdadeiramente posso dizer que, entre o grupo de 19 pessoas, do qual Lorena faz parte, a rainha do grupo é a tristeza  com sua amiga solidão, que aliada ao abandono, preconceito e exclusão, conduz o grupo para a cova fria da morte!!

            Confesso, que quando passo parte do dia com este grupo, especialmente com a Lorena, com a qual estabeleci uma boa amizade, me sinto completamente destruído emocionalmente. Faço um extremo esforço, que julgo, do Espirito Santo, para me manter alegre e arrancar um sorriso de Lorena. Penso que Lorena me tem como um doido e isso me ajuda a estabelecer um clima de alegria. Ele se sente feliz  comigo e dificilmente chora quando estou com ela. Muitas vezes, estou chorando por dentro, mas  não deixo transparecer. Posso dizer, por afirmação de outros, que convive com ela, que quando estou lá, ela se sente bem! Isso para mim é tudo, pois recorro a São Marcos que diz: “Não são os que tem saúde que precisam de médicos, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar os justos , mas os pecadores” ( Mc 2,17).

            Como já disse acima, posso escrever tantas histórias e realidades, que já experimentei e experimento nesse grupo, mas me basta esta, para fazer uma reflexão profunda da vida e da existência humana.

            Como ser humano, me vejo numa escola, onde posso aprender com os meus irmãos em Cristo, a ser cada vez mais humano e misericordioso para com aqueles que não são amados! Como cristão, vejo o quanto é importante a fé, em Deus Pai. A reflexão que faço do ponto de vista teológico é: na ausência da fé, o medo, a falta de esperança, a desilusão, o sentimento de culpa, a angústia, a baixo-estima, a tristeza toma conta do coração do homem, metendo-o numa crise  existencial sem fim. Sem a fé, a filosofia de Jean Puol Sartre tem sentido “O homem é um ser que caminha para o fim” e Continua o filósofo: “a morte é a Náusea”. Verdadeiramente, para quem não tem fé, a morte é o fim de tudo, mas para aqueles que crêm na Ressurreição é o inicio de uma vida nova. ( ”Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25) Eventualmente, para quem não tem fé, quanto sente, que tudo aquilo, que antes se apresentava como bom, duradouro, eficaz e indispensável para a felicidade vão se destruindo, (os valores efêmeros) o vazio, a náusea, o medo, angústia e a depressão assume a expressão mais alta de sua vida, em outras palavras, já não se há mais razão de viver!  Consciente que vai morrer e  sem esperança da ressurreição,  o homem é tomado pelo  medo de descer à cova e ser comido pelos vermes, com afirma Keikekaard.

            Posso escrever tantas coisas que trago para minha vida, mas me contenho em dizer apenas: eles, os 19 portadores da terrível e excludente HIV, são exatamente, aqueles para os quais Deus desceu do Céu. E Concluo com as palavras de Jesus: “O Espírito do Senhor está sobre mim, Ele me ungiu para evangelizar os pobres, curar os quebrantados do coração, a pregar liberdade aos cativos, restaurar a vista aos cegos,  pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano de Graça do Senhor”.( Lc 4,16-18)

Aluisio(Noviço somasco).
 Aluísio é o primeiro da direita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário