Será Francisco
o novo Moisés da igreja?
29.jul.2013 - A
entrevista pouco usual de quase uma hora e meia que o papa Francisco concedeu a
jornalistas que o acompanhavam no voo do Rio para Roma, depois de sete dias de
Jornada Mundial da Juventude, foi destaque nos principais jornais do mundo. O jornal
italiano "Corriere Della Sera" afirmou que a fala de Francisco foi
"uma lição de liberdade que terminou com um aplauso geral de setenta
jornalistas de todo o mundo." Leia mais Reprodução/Corriere Della Sera
No Brasil, a igreja - com Francisco
como um novo Moisés bíblico - foi chamada a atravessar seu deserto em busca de
uma terra nova para fugir da escravidão em que a havia colocado seu afastamento
das pessoas.
É possível que, como Moisés,
Francisco também não veja a igreja chegar a essa terra prometida com que ele
sonha, na qual não exista a "psicologia de príncipes" nos bispos; na
qual estes sejam pobres de coração e de bens; que não suspirem pelas cebolas e
os cozidos de carne que deixaram para trás e que não voltem a adorar os
bezerros de ouro.
A revolução que o papa lançou do
Brasil para todo o mundo, como já se esperava, é séria. Não há dúvidas depois
de seu discurso duro, com autoridade, sem concessões, pronunciado aos
representantes das conferências episcopais da América Latina e de algum modo
para os 3 mil bispos do mundo.
Francisco quer acabar com uma igreja
que se revestiu até agora de mil ouropéis ideológicos que pouco têm a ver com a
simples, e ao mesmo tempo exigente, proposta evangélica.
Ele desnudou a igreja das falsas
ideologias, tanto de esquerda quanto de direita, que haviam mudado a ideia
evangélica do encontro com os excluídos, da misericórdia sem reservas, do
encontro inclusive corporal, físico, com o próximo, sem medo do corpo, por
categorias de sociologia ou de psicologia que acabaram cunhando na igreja uma espiritualidade
elitista, desencarnada, sem compromisso com sua realidade primitiva quando
desafiava os ídolos do poder.
Ele veio dizer aos bispos que a
igreja não pode continuar como até agora. Que tem de mudar de pele, deixar de
ser burocrática, esquecer-se dos demônios do carreirismo. Disse-lhes que, mais
que no amanhã de suas vidas, pensem no hoje dos que sofrem agora e não podem
esperar. "O hoje é a eternidade", disse aos bispos. E esse hoje e
esses marginalizados da sociedade são "a carne da igreja".
Até agora, inclusive os papas mais
abertos sempre falaram em reformar a cúria, o governo central do Vaticano.
Francisco, que também deverá fazer isso e com urgência, propôs no Brasil uma
revolução global da igreja.
Quando falou sobre a "humildade
social", estava traduzindo o mandato evangélico de que o maior se faça o
menor para ir ao encontro do próximo, que é um igual a nós.
Ainda não sabemos como os diferentes
movimentos da igreja, como o Opus Dei, os pentecostalistas, os da Comunhão e
Libertação ou os próprios teólogos da libertação analisarão agora as graves
palavras de Francisco no Rio.
Para ele não servem as metodologias
liberais nem as marxistas para encarnar o evangelho nas pessoas. Tachou todas
elas de ideologias elitistas. Como alternativa para os conceitos políticos de direita,
centro ou esquerda, Francisco cunhou para seu pontificado um novo: o das
periferias, que é, como disse aos bispos, onde se devem colocar como
"pastores", e não como "príncipes"; como anunciadores de
esperança, e não como burocratas ou administradores de uma empresa ou uma ONG.
De certo modo, disse aos bispos que
deixem de bizantinismo e que saiam à rua a pegar pela mão todos os que buscam
ajuda, consolo, conselho ou simplesmente um ombro onde chorar essa dor que não
há ideologia capaz de consolar.
Deixarão que Francisco - que se
apresentou despojado e próximo das pessoas, sem as insígnias reais do papado -
realize essa novidade histórica que obrigará a igreja a uma catarse coletiva? O
escutarão e seguirão nessa travessia do deserto? Nessa conversão existencial
para desnudar-se, como fez o jovem Francisco, de sua cômoda vida passada para
seguir ao pé da letra o Evangelho, compartilhando a vida dos sem poder e sem
dinheiro?
Difícil de adivinhar. Moisés não
chegou a ver a Terra Prometida, mas o povo judeu conseguiu, afinal, livrar-se
da escravidão dos ídolos.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves uol noticias
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