sábado, 4 de janeiro de 2014

PARTILHA DE UMA EXPERIÊNCIA DO NOVIÇO ALUÍSIO COM MULHERES MARGINALIZADAS NA ITÁLIA

“Pensei que era moleza, mas foi pura ilusão... entrei pelo cano”
            (Frase da canção “ Melô dos Marinheiros” - Paralamas do Sucesso).

            Caríssimo leitor, o texto que ora se inicia, descreve uma experiência breve, realizada em Milão-Itália. Trata-se de jovens que vem de diversos  países do mundo para trabalhar na prostituição aqui na Itália e não se dão conta, que estão sendo usados por  uma máfia, da qual se tornarão  escravos – objetos  de lucro –   muitos para se livrar dessa quadrilha, tornam-se prostitutas  de estradas e ruas!  
            Por questão de segurança e ética, não citarei nomes nem endereço, mas apenas, países e cidades!  Lembrando que o texto é  escrito, sobretudo para cristãos católicos.
            Antes de narrrar a experiência,  permita-me uma brevíssima apresentação de quem sou e o que faço neste momento.
            Sou antes de tudo, um cristão batizado praticante, “ Que coisa tu és? sou um cristão” ( Sao Jerônimo, Tradutor da Bíblia). Estou fazendo o noviciado, que por sua vez findará no dia 25 de Janeiro de 2014.  Este tempo de noviciado, me permitiu experimentar aquilo que é próprio da espiritualidade somasca: estar com crianças, jovens, doentes, idosos, ricos e pobres, negros e brancos, prostitutas, enfim. O nosso carisma é: A PATERNIDADE E MATERNIDADE DE DEUS!
Para Maior clareza permita-me ainda, apresentar de maneira sucinta, a equipe que me acompanhou nesta experiência.  Não direi seus respectivos nomes para preservar  o seu trabalho. 
Fui acompanhado e orientado por dois jovens, um rapaz e uma moça.  Eles atuam como parte de uma equipe médica, que oferece um sistema de saúde às jovens que trabalham na prostituição, em Milão e,  não tem acesso ao serviço de saúde ( ao menos facilmente). Eventualmente, a equipe marca exames, orienta, encaminha ao   serviço de saúde etc. Com esta oferta de serviço, a equipe pode entrar nos apartamentos onde as jovens vivem e trabalham. De outra forma é quase impossível entrar, ou melhor, ter acesso a essas jovens. Depois de fazer contatos e convencê-las a aceitar o serviço de saúde, começa-se um serviço de escuta e visitas regularmente, sempre com uma “desculpa”. Dessa vez a “desculpa” era que estávamos levando um presente de Natal. Depois que se cria um relacionamento de confiança  entre  as jovens e a equipe,  é que se revela a verdadeira identidade e o verdadeiro objetivo, que é ajudar a essas jovens, a saírem dessa escravidão. A equipe que me acompanhou faz este serviço a muitos anos. Ela tem um sistema de informação, controle e sigilo muito eficaz; tem o diagnóstico dessas jovens  muito preciso, de onde provém a verdadeira identidade,  o valor de seu trabalho, enfim, conhecem a realidade de cada uma!
Segundo a equipe, a pior coisa, é que em sua  maioria, as jovens, que trabalham neste ramo, ganham muito dinheiro, porém, não para si, mas para a quadrilha. Elas chagam a ganhar ate 2.000,00 euros por mês, porém, devem pagar o aluguel do apartamento, a publicidade, e tantos aparatos, que ao final, ficam praticamente sem dinheiro e o pior, com dívidas, que não param de crescer.  Também tem aquelas, que o valor de uma relação sexual é 20,00 euros, e tem  mês que não recebem um euro se quer. Neste momento, pensei no que disse o papa Francisco em sua exortação apostólica: “Evangelii Gaudium”, n.53: “ Se considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que se pode usar depois jogar fora”. Não pense,  que o custo de vida aqui na Itália é como no Brasil! Lembre-se, elas trabalham pra uma empresa que controla tudo, inclusive o que deve ou não falar, quando elas não suportam mais, fogem para prostituir-se  às margens das estradas  (auto-estrada)e vias de Roma a Milão.
Neste dia, a equipe escolheu para visitar as brasileiras, aquelas que vêm do Brasil para trabalhar na prostituição em Milão (Itália), muitas são de fortaleza  e Recife. Elas são antes de tudo, jovens belas e com um grau de estudo elevado.
Antes de partirmos para as ruas de Milão, a equipe me mostrou em um site de (publicidade) prostituição aquelas, que possivelmente, encontraríamos pelas ruas. Precisamente, a equipe fez contatos com 11 das quais quatro são brasileiras, destas quatro, apenas uma pôde nos receber. As outros não, seja porque, sua chefe não permitiu, seja porque, tinha medo de falar conosco, seja porque, tinham cliente naquela hora. Finalmente, neste dia visitamos uma brasileira e três da República Dominicana. Aquelas que não puderam nos receber,  agendamos a visita para outro dia.
Que coisa encontrei? Um susto! um grande abismo!  Quando nos encontramos com as Dominicanas, não podíamos imaginar que aquelas duas jovens, eram as mesmas, que uma hora antes eu havia visto na tela do computador (em uma propaganda sexual). Era totalmente o contrário.  Não se encontrava nada de comum, entre o real e o virtual. Aquelas da publicidade eram lindas,  sorridentes,  enquanto estas que estão diante de mim  são tristes e sem aparência; aquelas da publicidade são jovens otimistas, estas são velhas e deprimidas; aquelas contentíssimas e com a autoestima elevada, estas descontentíssimas e depressivas; aquelas bem produzidas, estas destruídas; aquelas da publicidade, vitoriosas, estas derrotadas... É inconcebível pensar que se faz propaganda de uma pessoa, como se faz de um objeto, pior ainda, propaganda enganosa. Você pode imaginar, como se sente uma pessoa, que é tratada como um objeto de compra e venda? Onde está o princípio inegociável da dignidade humana?  No ano 2000 a Campanha da Fraternidade tratou sobre a dignidade humana e paz:Nenhuma desculpa serve para justificar o desrespeito à dignidade de uma mulher ou de um homem, porque se trata de vida humana”. E mais, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as pessoas já nascem livres e iguais, com dignidade e direitos, simplesmente por serem humanas. Todavia, nós sabemos que existem centenas, milhares e milhões de pessoas com a dignidade ferida nos porões da vida! 
Quando nos encontramos com aquelas duas jovens Dominicanas, era difícil  para mim, ver as duas imagens, que ora se cruzavam na minha cabeça, aquela virtual ( site de prostituição) e esta real, que se encontravam diante de meus olhos. Era notório nos  rostos daquelas jovens, uma  tristeza profunda. Era como um corpo sem vida, uma flor sem perfume, como uma casa sem gente, com um riacho sem água. “Tirar o sorriso da juventude é tirar a vida e matar um  sonho”. Na mesma linha canto JorgioTrevisol na sua poesia religiosa  “Mesmo Rosto”:  “ O sonho mais lindo é a juventude que tem”.
             Começamos a conversar.  A jovem mais nova, contava seu lamento de não ter dinheiro para voltar ao seu país e recomeçar a sua vida na liberdade e dignidade. Era verdadeiramente descontente com seu trabalho, disse que em relação a prostituição, estava cansada e sem condições de prostituir-se. A mais velha não falou nada, porém sua expressão corporal manifestava sua angústia, a náusea  e a tristeza. Seus olhos transmitiam a dor da sua alma e suas lágrimas a sede de liberdade. Suas poucas palavras foram: “Devo trabalhar natal e ano novo, pois não tenho para onde ir e se tivesse não poderia ir, pois devo trabalhar. Enquanto minha chefe vai a Espanha passear”.
A conversação estava fluindo entre nós, mas não demorou, para ser interrompida, brutamente com a chegada da sua chefe. Uma dona ainda jovem, com um aspecto imperativo e autoritário. Bastou um simples  olhar para  controlar , ou melhor, bloqueou a nossa conversação. Mudamos imediatamente o rumo da conversa. Eu, particularmente me senti, fora do jogo e com receio, porém, como bons profissionais a equipe desenvolveu, um outro diálogo e concluiu aquele momento, presenteando a todas com uma recordação de natal.
Comovidos, indignados e sensibilizados, passamos ao apartamento da Brasileira. Esta, de 40 anos, com problemas de saúde, pois a mesma está sendo acompanhada por uma equipe médica: psicólogo e psiquiatra. Seu apartamento, aparentemente bom, expressava, a angústia, a tristeza e sobretudo, a solidão daquela mulher.  Era como uma cova fria, escura e sem vida! Senti-me muito mal naquele ambiente, pois era um ambiente de morte! Ela, a brasileira, não parava um só instante de falar, grande era a necessidade de ser ouvida. Começou o seu lamento. Lembrei do livro das lamentações de Jeremias que diz: “ Esqueci a felicidade (Lm 3,17)! Meu olho derrama torrentes de lagrimas” (Lm 3, 48). “ Cessou a alegria do meu coração, converteu-se em luto a nossa dança” ( Lm 5, 15). Ali não falei praticamente nada, mas agucei meus ouvidos para escutar e despertei o meu coração para sentir o lamento e compartilhar, ao menos por um momento, a tristeza e a solidão daquela mulher. Como disse o apóstolo Paulo: Alegrai-vos com os que se alegram; e chorai com os que choram (Rm 12,15).
Esta aparentemente era livre, porque não tinha uma chefe, porém, era escrava do abandono da solidão e sobretudo, do medo. Ela revelou em pouco tempo um sofrimento sem medida, uma solidão sem fim, uma escravidão sem preço, uma vida sem esperança! Aqui, lembrei do que disse o padre Fabio de Melo em seu livro, Quem me Roubou de Mim:Tenho  a chave para sair do cárcere, mas não tenho forças para sair. Me apontam o caminho, mas muitas vezes eu não sei andar, estiram-me a manto, mas eu encolho o braço e continuo sendo escravo de mim mesmo. O cativeiro, por pior que seja acaba por ser um lugar seguro...”.
Partimos de lá comovidos, eu particularmente, emocionado e muito pensativo, pois recordei do que disse Jesus: “Em verdade vos digo, que os publicanos e as prostitutas vos precederão no Reino de Deus( Mt  21, 31). Nas palavras que ouvi da Brasileira, que dizia: “ Meu maior sofrimento, minha maior tristeza é que meu filho de 16 anos já se esqueceu de mim”. Neste momento senti nos seus olhos, a vergonha, a dor e o sentimento de culpa da vida que está vivendo.  Aqui, não me importa se ela é ou culpada de todo esse sofrimento, me importa é que ela, é um ser humano, que sofre o abandono, a vergonha e o desprezo. Ela foi criada para felicidade: Todos nós, sem dúvida, queremos viver felizes, e não há entre os homens quem não dê o seu assentimento a esta afirmação, mesmo antes de ela ser plenamente enunciada” ( Catecismo da Igreja Católica n.  1718). Então se cruzavam um olhar de compaixão e misericórdia, com um desejo de ajudar aquela mulher a sair de seu cativeiro. Evidentemente, que o trabalho, o esforço da equipe continuará, motivada pela esperança que aquela mulher tem de sair de seu cativeiro e viver feliz. Naquele apartamento concluímos a nossa visita! Porém no meu coração começou  uma nova missão!

Como me senti? Que coisa posso fazer,  para ajudar a essa gente?
Tem uma frase que levo comigo: “Não salvarei o mundo, não o mudarei, mas não contribuirei, conscientemente com a sua ruína”! Como me senti, após esta experiência?  já mencionei acima, mas reforçarei nos parágrafos seguintes. Antes de tudo, devo considerar que sou um cristão “ Que coisa tu és? sou um cristão”  e vivo a minha fé. “ Estejam atentos prontos para dar razão da vossa fé a quem vos pedir” ( 1Pd 3, 14-15, ). Não vivo fora da realidade, mas com os olhos para Deus e os pés sobre a terra: “ fazei tudo como se dependesse de vós sabendo que tudo depende de Deus” ( Santo Inácio de Loyola).
Diante de qualquer situação busco agir equilibradamente com a fé e a razão. Ambas me ajudam a fazer uma leitura realista dos fatos, já que as duas vêm de Deus: “ A luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus, por isso, não se podem contradizer entre si ( Santo Tomás de  Aquino – encíclica de Joao Paulo II: Fidei et Ratio n 43).
Diante da realidade, que ora me encontro, o que eu posso fazer para ajudar a combater, a máfia da prostituição, o comércio sexual, a exploração e escravidão das jovens?  Especificamente neste caso acima descrito, antes de tudo devo  informar, tornar conhecida essa realidade àqueles que a desconhecem. Informar  ao máximo de jovens que puder. Deixar claro, especialmente para aquelas meninas, que são convidadas para trabalhar, na Itália, que estejam muito atentas, pois elas podem estar “entrando numa fria”: “ Entrei pelo cano”. Evidentemente, que as jovens provenientes de diversos países que chegam a Itália para trabalhar na prostituição, muitas, vêm enganadas e embocam na escravidão, tornando-se objeto de compra e venda, fonte de renda para uma quadrilha, não é fácil ser um cristão autêntico.
Diante de tudo isso, a primeira coisa que sinto é compaixão, misericórdia e sem fazer nenhum juízo me ponho na condição de um ser humano, que em busca da felicidade toma qualquer caminho, aparentemente correto, mas que, ao invés de encontrar a felicidade, encontram a escravidão, a solidão, a morte! Como um seguidor de Cristo, não posso fazer outra coisa, senão o que fez meu mestre: “Ninguém te condenou? Respondeu ela: não Senhor! Vai eu também não te condeno!”(Jo 8, 10-11). Em suma, eu me senti sensível e mais que sensível, provocado a fazer alguma coisa, para evitar que, aquelas que ainda não viveram esta realidade, “não entrem nesta fria!” Como se sabe, é mais fácil prevenir o mal que curá-lo.
Chamo a sua atenção e de todos os meus amigos, especialmente os cristãos para ajudar os jovens a encontrar a verdadeira felicidade. Aos rapazes, especialmente, aqueles que são cristãos, que participam da Missa, que comungam o CORPO E SANGUE DE CRISTO, de não usufruírem  de uma mulher, só porque é uma prostituta. Antes, veja que ela é uma pessoa, que tem uma história, que tem uma família, que tem sentimentos. Seja, para essa gente, “uma mão que eleva”. Não  trate uma prostituta como uma pessoa de segunda categoria, pior ainda, inferior a você ou mais, como um objeto de mero prazer sexual. Não indague, se ela escolheu, ou não esta vida, não veja seus pecados “ se eles não te condenaram eu também não te condeno”, antes de tudo, veja nessas pessoas,  um ser humano, que muitas vezes estão gritando por socorro. São como o assaltado e abandonado na beira do caminho (cf. Lc 10,25-37). Todavia, para amar a Deus e herdar a vida eterna só temos uma alternativa: tornar-nos próximos de todas as vítimas de todas as formas de assaltos à vida e à dignidade humana.
Você gostaria de ser explorado, vendido, contrabandeado, comercializado por uma máfia, uma quadrilha? claro que não! Portanto, ajudemos nossos jovens  a encontrarem o verdadeiro caminho da felicidade, para viverem  dignamente. O Papa Francisco, em sua Encíclica EVANGELII GUADIM n.75, Descreve: “ A proclamação do Evangelho será uma base para restabelecer a dignidade da vida humana...”! Devemos, enquanto cristãos, eu por primeiro, ajudar aos nossos jovens a construir bons relacionamentos, derrubar muros de separação, construir pontes, preparar-se para o futuro... Ajudamo-os a realizar seus sonhos, conquistar seus ideais. Façamos de tudo para pensarem e terem a certeza de que nós acreditamos neles: “Juventude solo sagrado”. Façamos de tudo para que nossos jovens não entrem no reino diabólico, mas levemo-los para o Reino de Deus! Ajudamo-los a descobrir a verdadeira felicidade, que só se encontra em CRISTO. “Há uma alegria que não é concedida aos ímpios, mas àqueles que te servem por puro amor: Essa alegria és tu mesmo. E esta é a felicidade, e não outra. Quem acredita que exista outra felicidade, persegue uma alegria que não é verdadeira. Contudo, a sua vontade não se afasta de certa imagem da alegria”. (Santo Agostinho, Confissões, Livro X, 32).
            Ajudemos aos nossos jovens a encontrar a verdadeira alegria“Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito: alegrai-vos!” (Fp 4,4) e a viver na verdadeira liberdade: “Conhecereis a verdade  e a verdade vos tornará livres” (Jo 8, 32).

ALUISIO DA SILVA

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